quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Viagem à Índia: Viajar pelo passado: Descobrir os descobrimentos II

Viagem à Índia 2018 

Viajar pelo passado: Descobrir os descobrimentos II

Cronologia com alguns tópicos de acontecimentos das viagens realizadas desde 1497 até 1541 - 44 anos


Mapa do “Roteiro dos portugueses no oriente” e dados cronológicos da “Cronologia Geral da Índia portuguesa”, Carlos Alexandre de Morais, Instituto Cultural de Macau, Instituto Rainha Dona Leonor, 1993.




SÉCULO XV

1497
  • Sai do Tejo, no dia 8 de Julho, a armada  de Vasco da Gama.
  • Esta armada deixa as ilhas de Cabo Verde no dia 3 de Agosto e chega à baia de Santa Helena a 8 de Novembro. Dobra o Cabo da Boa Esperança a 22 de Novembro e passa avistando Natal a 25 de Dezembro.
1498
  • Vasco da Gama e a sua armada chegam à Terra da Boa Gente a 10 de Janeiro onde ficam cinco dias. Atingem o Rio dos Bons Sinais (Zambeze) no dia 25 de Janeiro. Alcançam Moçambique a 2 de Março e Mombaça a 7 de Abril. Chegam a Melinde a 14 de Abril onde recebem o piloto Ahmed ben Madjid que os conduz até perto de Calecut, em 20 de Maio, após 312 dias de terem saído de Lisboa.
  • A 30 de Agosto, começa o regressa da armada de Vasco da Gama a Portugal sem que as negociações tenham chegado a bom termo com o samorin de Calecut.
  • A 15 de Setembro Vasco da Gama chega às Ilhas de Santa Maria, a 19 de Setembro Ilha de Angediva onde repara as suas naus. Aí embarca um judeu que ficou conhecido por Gaspar das Índias (batizado como Gaspar da Gama). A 5 de Outubro a armada inicia a viagem de regresso a Portugal.
1499
  • A 2 de Janeiro a armada de Vasco da Gama avista a costa de África. No dia 7 de Janeiro chega a Melinde, a 12 a Mombaça. A 20 de Março a armada dobra o Cabo da Boa Esperança.
  • Aportaram nas ilhas de Cabo Verde onde Paulo da Gama morre na cidade de Angra, onde fica sepultado. Nicolau Coelho é encarregado de levar ao rei a notícia do descobrimento da Índia e chega a Lisboa a 9 de Julho.
  • Vasco da Gama chega a Lisboa a 29 de Agosto.
1500
  • A 9 de Março Pedro Álvares Cabral parte para a Índia a fim de estabelecer relações com o samorim de Calecut. A armada, rumando para Sudoeste, avista a costa do Brasil onde chega a 24 de Abril. Pedro Álvares Cabral fica aí 8 dias e envia uma nau a Portugal com a notícia desta descoberta, descrita na carta de Pêro Vaz de Caminha.
  • Em fins de Maio, Pedro Álvares Cabral, dobra o Cabo da Boa Esperança e segue para Sofala e Moçambique e atinge Melinde a 2 de Agosto. Depois aporta a Angedive e chega a Calecut a 13 de Setembro. Ocorrem grandes lutas.
  • A 24 de Dezembro, Pedro Álvares Cabral chega a Cochim onde é bem recebido pelo rei que lhe permite grande carregamento de especiarias. Aí estabelece uma feitoria.

SÉCULO XVI

1501
  • Pedro Álvares Cabral deixa Cochim a 6 de Janeiro, aporta a Cranganor e chega a Cananor a 15 de Janeiro onde o Rajá põe à sua disposição carregamento de especiarias.
  • João da Nova comanda a terceira armada para a Índia que parte de Lisboa a 5 de Março. É a primeira armada em que participam navios de mercadores, por licença concedida pelo rei.
  • A 31 de Julho a armada de Pedro Álvares Cabral chega a Lisboa.
  • Chegado à Índia, João da Nova estabelece uma feitoria em Cananor. Destroça várias naus do samorim de Calecut e, após o carregamento de especiarias, inicia o regresso a Portugal.
  • D. Manuel determina que todos os anos, entre Fevereiro e Março, saia uma armada de naus de carreira para a Índia.
1502
  • D. Manuel lança a primeira pedra do Mosteiro dos Jerónimos
  • João da Nova, a caminho de regresso a Portugal, descobre a Ilha de Santa Helena, então desabitada, que passa a constituir escala das viagens de regresso da Índia.
  • Vasco da Gama, a 10 de Fevereiro parte com uma armada de 20 velas para o Oriente para enfrentar o samorim de Calecut.
  • Depois do reconhecimento, em Sofala, para a construção de uma fortaleza, Vasco da Gama reune-se ao resto da esquadra na Ilha de Moçambique, onde instala uma feitoria.
  • Vasco da Gama faz tributário o sultão de Quiloa e chega a Calecut onde exerce bárbaras represálias. Firma alianças com os reis de Cochim e Cananor, estabelecendo, na primeira, uma feitoria. 
  • Vasco da Gama só regressa a Portugal em 1504.
1503
  • Três mandados e um recibo, escritos em Cananor a 22 e 23 de Fevereiro, assinados por Vasco da Gama são os mais antigos documentos escritos por portugueses na Índia.
  • A 6 de Abril parte para a Índia a armada de Afonso de Albuquerque (onde vai Duarte Pacheco Pereira) autor do “Esmeraldo de Situ Orbis
  • Infligem nova derrota em Calecut (aos muçulmanos) e transformam em fortaleza a feitoria de Cochim, ficando como seu capitão Duarte Pacheco Pereira.
  • É criada a Casa da Índia, instalada no Paço da Ribeira.
  • O portugueses estabelecem-se em Achém onde erguem uma fortaleza.
1504
  • A armada de Vasco da Gama, da 2ª viagem, regressa a Portugal e traz de Quiloa o ouro com que D. Manuel manda fazer a custódia para os Jerónimos.
  • Afonso de Albuquerque parte a 25 de janeiro para Portugal onde chega em Julho.
1505
  • Duarte Pacheco Pereira começa a escrever o Esmeraldo de Situ Orbis.
1506
  • Em Cochim é fundado um hospital
  • A 6 de Abril parte para a Índia a armada de Tristão da Cunha na qual segue Afonso de Albuquerque, que, secretamente, leva ordens para suceder a D. Francisco de Almeida.
  • É concluída a Custódia de Belém da autoria do ourives Gil Vicente.
1507
  • A 25 de Setembro Albuquerque chega a Ormuz, a mais florescente cidade do Oriente. Depois de renhida batalha o rei de Ormuz presta vassalagem ao rei de Portugal e permite a construção de uma fortaleza e de uma feitoria.
  • Surge, através da tradução de um livro italiano escrito por Tomé Lopes, o diário de bordo das naus de Estevão da Gama, saídas de Lisboa em 1502.
1508
  • A chegada simultânea à Índia das armadas de 1507 e 1508 são um reforço para D. Francisco de Almeida que, a 12 de Dezembro parte para Diu com uma grande armada.
1509
  • D. Francisco de Almeida chega a Diu a 2 de Fevereiro.
  • A povoação de Chaul torna-se tributária do rei de Portugal.
  • D. Francisco de Almeida conserva o governo e, a 9 de Setembro, envia Albuquerque, sob prisão, para a fortaleza de Cananor.
  • A chegada da armada do marechal D. Fernando Coutinho, que traz instruções do rei, leva D. Francisco a entregar, em fins de Outubro, o governo a Afonso de Albuquerque.
  • Os portugueses alcançam a ilha de Samatra.
  • É representado o “Auto da Índia” de Gil Vicente.
1510
  • A 4 de Janeiro Albuquerque empreende a tomada de Calecut. Incendeia o palácio do samorim e arruina parte da cidade mas é obrigado a retirar, com pesadas baixas, regressando a Cochim.
  • Albuquerque recebe informações do soberano hindu, Timoja, de que o rei de Bijapur, a quem pertence Goa, está ausente. Decide tomar a fortaleza de Pangim a 1 de Março.
  • As provincias de Salsete e Bardez, em redor de Goa, entregam-se pacificamente.
  • A 23 de Maio Adil-Kan cerca Goa, Albuquerque é obrigado a abandonar a cidade.
  • A 15 de Agosto Albuquerque parte para Angediva. Recebe reforços vindos de Portugal e segue para Cananor preparando-se para reconquistar Goa, o que acontece a 25 de Novembro perante grande resistência dos muçulmanos.
  • Inicia-se a construção da fortaleza de Goa, cujo o arquitecto é Tomás Fernandes.
  • Começa a funcionar em Cananor uma botica dirigida por Francisco Savantes.
1511
  • Afonso de Albuquerque dirige-se para Malaca. Faz o primeiro assalto a 25 de Julho e conquista a cidade, que é o maior centro do comércio da pimenta, a 24 de Agosto. Ergue uma fortaleza e instala uma feitoria.
  • O reino de Pegu, no golfo de Bengala, é pela primeira vez visitado pelos portugueses.
  • Afonso de Albuquerque envia embaixadores aos reinos de Sião, Campar e Java.
  • Diogo de Melo, fugindo de uma tempestade, aporta a Damão, até aí desconhecido dos portugueses.
1512
  • No principio do ano, D. Manuel envia para Cochim, dirigidas a Afonso de Albuquerque, cartilhas para ensinar português às crianças indianas. Albuquerque abre uma escola.
  • Em Março parte para a Índia Gaspar Correia, nomeado escrivão de Afonso de Albuquerque.
  • É de cerca de 1.200 o número de portugueses que anualmente parte para o Oriente e aí se radica.
  • Afonso de Albuquerque, com a chegada de 16 velas e respectivos combatentes, deixa Cochim, no início de Outubro, a caminho de Goa onde chega a 3 de Novembro e ataca Benastarim, cuja fortaleza é destruída, rendendo-se o inimigo.
  • Ao chegar a Goa, de regresso de Malaca, Albuquerque ergue a igreja de Santa Catarina.
1513
  • Jorge Alvares parte de Malaca e chega à China, abordando Tamão onde constrói um padrão. É o primeiro português a chegar àquele território.
1514
  • É contida a Tore de Belém
  • Um embaixador da Abissinia, de nome Mateus, é portador de uma proposta de aliança com o rei de Portugal.
  • Um junco com portugueses vai à China.
  • Rui de Brito escreve de Malaca a Afonso de Albuquerque e informa que Timor, ilha além Java, é rica em sândalo, mel e cera.
  • Afonso de Albuquerque funda a capela de N. Sª da Serra.
1515
  • Afonso de Albuquerque chega à barra de Goa a 16 de Dezembro, morrendo, à vista da cidade, aos 53 anos. Fica sepultado na capela de N. Srª da Serra, que ele fundara em 1514.
1516
  • O navegador Duarte Barbosa, há anos em Goa, refere, em livro que publica, que o regime de castas conta com dezoito categorias e daí a dificuldade em realizar a evangelização da Índia.
  • Tomé Pires publica o livro “Suma Oriental”, primeira obra em que se descrevem as drogas asiáticas.
1517
  • Chega a Goa frei António de Louro com 8 franciscanos. É a primeira comunidade monástica a estabelecer-se na Índia. Inicia a construção de um convento. A igreja de S. Francisco de Assis, anexa ao convento, só fica concluída em 1521.
1518
  • Uma esquadra de 17 navios, do comando de Lopes Soares de Albergaria, chega a Ceilão, em fevereiro, e ali constrói uma fortaleza com o consentimento do rei de Columbo, que se torna tributário da coroa portuguesa.
1519
  • Parte a frota de Fernão de Magalhães, ao serviço do rei de Espanha, para realizar a primeira viagem de circum-navegação.
  • O alvará de 22 de Dezembro determina a assistência médica gratuita em Goa.
  • A cidade de Goa, dada a prosperidade do comércio com os países do Oriente e da Europa, recebe carta de privilégios muito idêntica `de Lisboa.
1520
  • Não tem êxito a tentativa de construção de uma fortaleza em Diu, para impedir a influência do comércio árabe na costa de Cambaia.
  • Goa torna-se o entreposto de todo o comércio de cavalos para a índia e Portugal. Fica, assim, em seu poder todo o comércio de cavalos da Pérsia e Arábia.
1521
  • Morre D. Manuel I e sucede-lhe D. João III.
  • É construído em Cochim um roteiro franciscano de invocação a Santo António.
  • É concluída a construção da igreja de S. Francisco de Assis.
1522
  • António de Brito move guerra ao sultão de Tidore por este ter recebido favoravelmente os castelhanos da armada de Fernão de Magalhães.
  • D. João III manda nova embaixada a Cantão, mas são mal recebidos e enfrentam dezenas de juncos chineses que obrigam a retirada.
  • Pigafeta, cronista da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, encontra na Ilha de Timor portugueses que negoceiam em sândalo.
  • Cristóvão de Mendonça, segundo alguns historiadores, descobre a Austrália em viagem decidida pelo governador geral da Índia.
1523
  • Em Fevereiro chega a Ormuz o governador D. Duarte de Meneses que, subornado, firma com o rei daquela cidade um tratado em termos humilhantes para os portugueses.
1524
  • A fortaleza de Pacém, em Samatra, é desmantelada e abandonada.
  • Com o titulo de vice-rei, desembarca em Goa, em fins de Setembro, Vasco da Gama, conde da Vidigueira.
  • Enquanto faz preparativos para uma guerra contra os corsários do Malabar, Vasco da Gama é acometido de doença e morre em Cochim a 25 de Dezembro. O seu corpo é transladado para Portugal em 1538.
1525
  • O historiador João de Barros é nomeado tesoureiro da Casa da Índia
  • Muçulmanos e indígenas atacam Malaca.
1526
  • O samorim cerca a fortaleza de Calecut no rescaldo das lutas é obrigado a assinar a paz.
  • No “Foral dos Usos e Costumes”, publicado este ano, garante-se à população a liberdade dos cultos religiosos e o respeito pelos costumes tradicionais que não sejam contrários à soberania e à moral cristã.
(…)

1528
  • Fernão Lopes de Castanhede vem para a Índia onde permanece até 1538. O primeiro volume da sua obra “História do Descobrimento e Conquista da índia pelos Portugueses” só em 1551 é publicada.
1529
  • Lopo Vaz de Sampaio prossegue a guerra contra os rajás de Calecut e de Cambaia, queimando todas as embarcações que encontra em pirataria.
  • O governador ocupa a cidade de Porcá, a doze léguas de Cochim, que depois incendeia.
  • Na governação de Lopo Vaz são reparadas e ampliadas as fortalezas e activada a construção naval nos estaleiros de Goa e Cochim.
(…)
1533
  • A 23 de Dezembro João de Barros é nomeado feitor da Casa da índia.
(…)
1535
  • Bahadur Shá, sultão de Cambaia, a braços com a invasão dos mongóis, pede auxílio aos portugueses e, como recompensa, permite a construção da tão ambicionada fortaleza de Diu.
1536
  • D. João III estabelece a Inquisição em Portugal.
  • É inaugurada em Diu, a igreja de S. Tomé, elevada a Catedral do Castelo em 1544.
1537
  • Bahadur Shá, arrependido das concessões feitas aos portugueses, convida os soberanos do Malabar a expulsá-los da índia. Em Março Nuno da Minha diirge-se a Diu e atrai o sultão a uma entrevista onde este é assassinado. Daí advém o levantamento dos povos da Índia contra os portugueses e a guerra que se lhe seguiu.
  • Fernão Mendes Pinto embarca para o Oriente e da Índia passa ao sudoeste asiático, chega à China e ao Japão, onde é recebido pela corte, naufraga seis vezes, é preso e vive do comércio da China e do Pegu.
(…)
1538
  • D. João de Castro publica a obra de investigação marítima e cosmografia “Roteiro de Lisboa a Goa”.
  • É transladado para Portugal o corpo de Vasco da Gama.
  • O historiador Fernão Lopes de Castanheda regressa a Portugal.
1539
  • D. João de Castro publica a obra “Primeiro Roteiro da Costa da índia desde Goa a Diu”
  • O cronista João de Barros escreve a primeira “Gramática da Língua Portuguesa” para ensinar português aos povos das terras de África e India.
1540
  • Em Janeiro é assinado o tratado de paz com o samorim de Calecut
  • O padre Francisco Álvares publica “A Verdadeira Informação das Terras de Preste João das Índias”
  • António Galvão, governador das Molucas, considerado o “fundador da geografia histórica” cria, em Ternate, o primeiro seminário do mundo.
  • É proibida a construção de pagodes nas Velhas Conquistas e são arrasados os já existentes.
1541
  • Os padres Diogo de Borba e Miguel Vaz fundam em Goa o Colégio de S. Paulo, a que se chama também Seminário da Santa Fé, depois entregue à companhia de Jesus.
  • Data deste ano a mais antiga porcelana de exportação, uma escudela de esmalte azul e branca, com a inscrição: “Em tempo de Pêro Faria de 1541”, que se encontra no Museu de Beja.



Viagem à Índia: Viajar pelo passado, descobrir os descobrimentos

Viagem à Índia 2018 

Viajar pelo passado: Descobrir os descobrimentos

Descobrir não é inventar, será mais ou menos como destapar, aceder a algo.

Quem descobre uma coisa não a cria porque ela já existia antes de ele, que a desconhecia, com ela se encontrar. Por isso os descobrimentos só podem ser feitos pelos que ignoram e, quando estes, se dispõem a deixar de o ser. 
Assim, os portugueses quinhentistas sabiam da sua ignorância e aventuraram-se a reduzi-la. Descobriram o caminho marítimo para as índias.

Das Índias (eram nomeadas três por Marco Polo - Índia Média, Índia Maior e Índia Menor) havia muitos produtos que, em grande parte, os Venezianos se encarregavam de comerciar e a quem esta descoberta veio a causar bastante prejuízo. 

Dessas terras havia pois o conhecimento que as viagens por terra iam trazendo e levando. 
Marco Polo (nascido em 1254) partiu com 17 anos, “acompanhado pelo pai Niccolò e pelo tio Matteo, para chegar ao Oriente, que era, para a imaginação ocidental, o grande fascínio, a terra do mistério, do maravilhoso e de riqueza nunca vista. A viagem de ida e volta (…) durou 24 anos. Tinha 41 quando regressou. 
(…) A viagem de regresso a Veneza demorou quatro anos, e foi efectuada sobretudo por via marítima. 
(…) A obra surge em 1298
(…)Enquanto relia Marco Polo, não resisti à tentação (inelutável) de fazer o confronto com Fernão Mendes Pinto. Como os costumes mudaram na Ásia em dois séculos, como são mais desapiedados os homens! A violência na “Peregrinação” atinge proporções espantosas: (…) isto não se encontra no livro de Marco Polo, aventureiro destemido, mas também embaixador, militar, homem de governo, pessoa em suma sensata, que não se metia em sarilhos, nem os queria. O nosso herói partiu à ventura, porque, como tantas e tantos portugueses, carecia de fugir da miséria e, de caminho, se possível, amealhar fortuna.” 
(António Osório, prefácio em “Viagens de Marco Polo, Assírio e Alvim, 2ª edição Maio 2012)

Pegando na apreciação que António Osório faz no prefácio da “Viagem” de Marco Polo, creio que os contextos de Marco Polo e de Fernão Mendes Pinto (obra publicada em 1614, 31 anos depois da sua morte) não tinham só dois séculos de distância em que as trocas comerciais tinham continuado pelos caminhos e ritmos das rotas terrestres. 
A descoberta do caminho marítimo tinha acontecido e, com ele, uma grande revolução ocorreu nos modos de os povos, culturas e interesses se olharem, conviverem e comerciarem. Haveria uma certa estabilidade instalada, como relata o próprio Marco Polo, entre os vários intervenientes mas que, com a chegada dos portugueses, se desmoronou com os impactos dos choque de interesses que provocou. 
Não admira que os homens tenham ficado “mais desapiedados” e que a violência “atinja proporções espantosas” relatadas, pelos outros autores referidos, dois séculos depois de Marco Polo.

Ao lermos Duarte Pacheco Pereira (“Esmeraldo de Situ Orbis”, começado a escrever em 1505/2506), Fernão Lopes de Castanheda (“História da Conquista da Índia pelos portugueses”, primeiro volume publicado em 1551), João de Barros (“Décadas”, a primeira publicada em 1552), ou Fernão Mendes Pinto (“Peregrinação”, publicada em 1614) se percebe a crescente atmosfera que foi sendo criada pelos encontros/confrontos das armadas que percorriam aqueles mares e entravam naquelas terras. 


Voltamos a Marco Polo para reler as anotações que fez sobre os reinos de Coilum, Eli e Melibar, capítulos <176> a <181> , por onde será a nossa viagem.

Mapa que situa as descrições da “Viagem” de Marco Polo






<176>
Do reino de Coilum
“Coilum é um grande reino situado a sudoeste quando se parte de Maabar e se caminha quinhentas milhas. Todos são idólatras e existem aí cristãos e judeus; têm a sua língua própria.
Aqui nascem os frutos medicinais e pimenta em muita fartura, já que os campos e bosques estão cheios dela; cortam-se em Maio, Junho e Julho. As árvores que dão a pimenta são plantadas e regadas como árvores domésticas. Aqui faz tanto calor que mal se consegue resistir, de maneira que se pegasse num ovo e o colocássemos em algum rio, em muito pouco tempo ficava cozido. Muitos mercadores vêm de Mangi, da Arábia e do Levante, trazendo e levando mercadoria nas suas embarcações.
Aqui existem animais muito distintos do resto do mundo, como sejam leões todos negros e papagaios de várias espécies, havendo-os brancos e tendo as patas e os bicos vermelhos, sendo muito belos de se ver; Também existem pavões e galinhas mais belas e maiores do que os nossos. Todas as coisas são diversas das nossas, não tendo nenhum fruto que se assemelhe aos nossos. Fazem vinho de açúcar muito bom. Possuem comércio de muitas coisas, excepto de trigo e aveia, que não possuem, mas sim arroz. Têm muitos sábios astrólogos. Esta gente é toda escura de pele e andam todos nus, homens e mulheres, menos nos seus órgãos genitais, que os tapam com um tecido lindo. Eles não consideram pecado qualquer luxúria e tomam por mulher a prima; quando o seu pai morre, podem casar com a sua mulher e também com a viúva do irmão. Estes costumes, na Índia, são comuns a todos.
Partimos daqui e iremos para uma região da Índia chamada Comari.

<177>
Da região de Comari
Comari é uma cidade da Índia numa região onde se pode ver um pouco da Estrela Polar. Este lugar não é muito civilizado, mas um pouco selvagem. Aqui existem muitos animais estranhos, de diversas espécies e muitos macacos.
Partimos daqui e entramos no reino de Eli.

<178>
Do reino de Eli
Eli é um reino situado a poente de Comari quatrocentas milhas. Têm um rei e são idólatras; não pagam tributo a nenhuma outra pessoa. Este reino não possui porto mas tem um grande rio, com uma boa foz. Aqui nasce pimenta e gengibre e muitas especiarias. O rei é rico em bens, mas não tem soldados. Porém, o seu reino está tã bem definido naturalmente, que niguém pode invadi-lo com um exército. 
Se alguma embarcação aparece naquela foz e não consegue alcançar terra, assaltam-na, roubando todas as coisas e dizendo: “Deus mandou-te até aqui para que fosses nossa”; não acreditam fazer nada de mal. O mesmo acontece em todas as províncias da Índia. Se alguma embarcação aparece por acaso, é presa e tiram-lhe todas as coisas, salvo se conseguiu chegar a alguma terra previamente.
Sabei que as embarcações do Mangi e de outras regiões vêm a este reino no Verão, e carregam em três, quatro ou oito dias, partindo o mais depressa possível porque não existe um porto e ficar é perigoso: só há praias e areia. É verdade que os barcos do Mangi não temem o vento, porque têm boas âncoras de madeira que seguram bem os seus barcos.
Têm leões e muitos outros animais, caça e muitos pássaros.
Agora vamos partir daqui e vou falar-vos sobre Melibar.

<179>
Do reino de Melibar
Melibar é um reino enorme, que possui rei e língua própria. Não pagam tributo a ninguém e são idólatras. Deste reino é mais visível a Estrela Polar. De Melibar e de uma região confinante chamada Gozurat, saem cada ano mias de cem barcos de corsários, que roubam os barcos dos mercadores; levam com eles as mulheres, filhos e todo o Verão estão no mar, provocando grandes danos aos mercadores. São tantos barcos, que ocupam bem umas cem milhas e mais de mar, fazendo sinais de luzes, de maneira que nenhuma embarcação passa por aquele mar sem ser apanhada. Os mercadores, conhecedores dos seus métodos, vão sempre juntos e bem armados, de forma que não têm medo deles quando os encontram, mas alguns barcos são apanhados pelos corsários. Mas não fazem outro mal a não ser roubar e tirar coisas alheias e dizem: “Ide procurar outras coisas”.
Este reino tem muita pimenta, gengibre, canela, raízes purgativas, nozes-da-índia e muitas especiarias, e rendas das mais bonitas do mundo. Os mercadores trazem cobre, tecidos de seda, de ouro e prata, cravos-da-índia e alfazema porque não os possuem; aqui vêm os mercadores do Mangi e levam estas mercadorias para muitos lugares.
Para falar de todas as regiões do reino, seria muito longo; vou falar-vos do reino de Gozurat, das suas maneiras e costumes.

<180>
Do reino de Gozurat
Gozurat é um grande reino, tendo rei e língua própria. São idólatras, não pagando tributo a nenhum senhor do mundo. São os maiores corsários que navegam no mar e os mais astutos, visto que quando apanham algum mercador, dão-lhe a beber tamarinhos com água salgada para o fazerem evacuar e, depois, examinam as fezes, para ver se o mercador tinha comido pérolas ou outras coisas caras, para as encontrarem. Ora vede como isto é uma grande maldade: dizem que os mercadores engolem as pérolas quando são presos, de maneira a não serem encontradas pelos corsários.
Neste reino ha muita pimenta, gengibre e algodão, tendo árvores que dão algodão muito grande, sendo altas bem uns seis passos e tendo pelo menos uns vinte anos. Mas quando são muito velhas, não dão algodão bom para fiar, fazendo-se outras coisas; desde os doze anos até aos vinte, as árvores chamam-se velhas.
Aqui curtem-se muitos couros de bode, de boi, de rinoceronte e de outros animais, fazendo-se grande comércio e fornecendo-se muitas regiões.
Partamos daqui para falar de um reino chamado Tana.


<181>
Do reino de Tana
Tana é também um grande reino, sendo semelhante aos referidos acima, possuindo também o seu rei. Aqui não existem especiarias, havendo incenso, branco e acastanhado, fazendo dele muito comércio. Há muito algodão e tecidos de pano. Os mercadores trazem ouro e prata, cobre e outras coisas necessárias, levando do reino tudo o que pode dar proveitos.
Também saem daqui muitos corsários para o mar, provocando grandes danos aos mercadores, e isto sucede por vontade do seu senhor. O rei fez um pacto com eles, segundo o qual os corsários lhe devem dar todos os cavalos que roubam, sendo muitos os que se encontram, dado que na Índia se faz um grande comércio, de maneira que poucos barcos partem para a Índia sem levar cavalos; todas as outras coisas são dos corsários.



Posto isso, vamos continuar a usar o termo “descobrimentos” sem que, com isso, estejamos a escamotear todos os malefícios que esse empreendimento, com ambições imperiais, provocaram.

Na viagem deste ano vamos nós fazer as nossas descobertas por alguns dos sítios da Índia onde os portugueses, indo pelo mar, com ela se encontraram. 

Alguns sabores dessas descobertas e misturas estão no prato do “sarapatel” simbiose que sobrevive aqui em Portugal, no  Brasil em em Goa.

Uma cronologia dos acontecimentos de há 5 séculos para evidenciar como o tempo daquele tempo tanto mudou e, como a velocidade nos leva em tempo impensável para aqueles que, primeiro por terra e depois por mar desconhecido se aventuraram e descobriram a grandeza da sua ignorância. 
Grandes descoberta eles fizeram. 

Levamos também a nossa ignorância para podermos viver mais descobertas e, se calhar, constatar que, o mundo, nalguns aspectos, não mudou tanto assim.

Como estamos a fazer esta rememoração em Sines, terra de nascimento de Vasco da Gama, vamos enumerar as principais datas das 3 viagens que ele fez até à Índia:

  • 1ª viagem começa em Lisboa a 8 de Julho de1497 e termina a 29 de Agosto de 1499 quando regressa a Lisboa; Vasco da Gama chegou a Calecut a 20 de Maio de 1498 e começa a viagem de regresso a Portugal a 5 de outubro de 1498.

  • 2ª viagem começa a 10 de Fevereiro 1502 e Vasco da Gama só regressa a Portugal em 1504;


  • 3ª viagem Vasco da Gama chega a Goa em finais de Setembro de 1524 e fica até à sua morte a 25 de Dezembro de 1524, em Cochim.
  • O corpo é trazido para Portugal em 1538.