quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Viagem à Índia: Viajar pelo passado, descobrir os descobrimentos

Viagem à Índia 2018 

Viajar pelo passado: Descobrir os descobrimentos

Descobrir não é inventar, será mais ou menos como destapar, aceder a algo.

Quem descobre uma coisa não a cria porque ela já existia antes de ele, que a desconhecia, com ela se encontrar. Por isso os descobrimentos só podem ser feitos pelos que ignoram e, quando estes, se dispõem a deixar de o ser. 
Assim, os portugueses quinhentistas sabiam da sua ignorância e aventuraram-se a reduzi-la. Descobriram o caminho marítimo para as índias.

Das Índias (eram nomeadas três por Marco Polo - Índia Média, Índia Maior e Índia Menor) havia muitos produtos que, em grande parte, os Venezianos se encarregavam de comerciar e a quem esta descoberta veio a causar bastante prejuízo. 

Dessas terras havia pois o conhecimento que as viagens por terra iam trazendo e levando. 
Marco Polo (nascido em 1254) partiu com 17 anos, “acompanhado pelo pai Niccolò e pelo tio Matteo, para chegar ao Oriente, que era, para a imaginação ocidental, o grande fascínio, a terra do mistério, do maravilhoso e de riqueza nunca vista. A viagem de ida e volta (…) durou 24 anos. Tinha 41 quando regressou. 
(…) A viagem de regresso a Veneza demorou quatro anos, e foi efectuada sobretudo por via marítima. 
(…) A obra surge em 1298
(…)Enquanto relia Marco Polo, não resisti à tentação (inelutável) de fazer o confronto com Fernão Mendes Pinto. Como os costumes mudaram na Ásia em dois séculos, como são mais desapiedados os homens! A violência na “Peregrinação” atinge proporções espantosas: (…) isto não se encontra no livro de Marco Polo, aventureiro destemido, mas também embaixador, militar, homem de governo, pessoa em suma sensata, que não se metia em sarilhos, nem os queria. O nosso herói partiu à ventura, porque, como tantas e tantos portugueses, carecia de fugir da miséria e, de caminho, se possível, amealhar fortuna.” 
(António Osório, prefácio em “Viagens de Marco Polo, Assírio e Alvim, 2ª edição Maio 2012)

Pegando na apreciação que António Osório faz no prefácio da “Viagem” de Marco Polo, creio que os contextos de Marco Polo e de Fernão Mendes Pinto (obra publicada em 1614, 31 anos depois da sua morte) não tinham só dois séculos de distância em que as trocas comerciais tinham continuado pelos caminhos e ritmos das rotas terrestres. 
A descoberta do caminho marítimo tinha acontecido e, com ele, uma grande revolução ocorreu nos modos de os povos, culturas e interesses se olharem, conviverem e comerciarem. Haveria uma certa estabilidade instalada, como relata o próprio Marco Polo, entre os vários intervenientes mas que, com a chegada dos portugueses, se desmoronou com os impactos dos choque de interesses que provocou. 
Não admira que os homens tenham ficado “mais desapiedados” e que a violência “atinja proporções espantosas” relatadas, pelos outros autores referidos, dois séculos depois de Marco Polo.

Ao lermos Duarte Pacheco Pereira (“Esmeraldo de Situ Orbis”, começado a escrever em 1505/2506), Fernão Lopes de Castanheda (“História da Conquista da Índia pelos portugueses”, primeiro volume publicado em 1551), João de Barros (“Décadas”, a primeira publicada em 1552), ou Fernão Mendes Pinto (“Peregrinação”, publicada em 1614) se percebe a crescente atmosfera que foi sendo criada pelos encontros/confrontos das armadas que percorriam aqueles mares e entravam naquelas terras. 


Voltamos a Marco Polo para reler as anotações que fez sobre os reinos de Coilum, Eli e Melibar, capítulos <176> a <181> , por onde será a nossa viagem.

Mapa que situa as descrições da “Viagem” de Marco Polo






<176>
Do reino de Coilum
“Coilum é um grande reino situado a sudoeste quando se parte de Maabar e se caminha quinhentas milhas. Todos são idólatras e existem aí cristãos e judeus; têm a sua língua própria.
Aqui nascem os frutos medicinais e pimenta em muita fartura, já que os campos e bosques estão cheios dela; cortam-se em Maio, Junho e Julho. As árvores que dão a pimenta são plantadas e regadas como árvores domésticas. Aqui faz tanto calor que mal se consegue resistir, de maneira que se pegasse num ovo e o colocássemos em algum rio, em muito pouco tempo ficava cozido. Muitos mercadores vêm de Mangi, da Arábia e do Levante, trazendo e levando mercadoria nas suas embarcações.
Aqui existem animais muito distintos do resto do mundo, como sejam leões todos negros e papagaios de várias espécies, havendo-os brancos e tendo as patas e os bicos vermelhos, sendo muito belos de se ver; Também existem pavões e galinhas mais belas e maiores do que os nossos. Todas as coisas são diversas das nossas, não tendo nenhum fruto que se assemelhe aos nossos. Fazem vinho de açúcar muito bom. Possuem comércio de muitas coisas, excepto de trigo e aveia, que não possuem, mas sim arroz. Têm muitos sábios astrólogos. Esta gente é toda escura de pele e andam todos nus, homens e mulheres, menos nos seus órgãos genitais, que os tapam com um tecido lindo. Eles não consideram pecado qualquer luxúria e tomam por mulher a prima; quando o seu pai morre, podem casar com a sua mulher e também com a viúva do irmão. Estes costumes, na Índia, são comuns a todos.
Partimos daqui e iremos para uma região da Índia chamada Comari.

<177>
Da região de Comari
Comari é uma cidade da Índia numa região onde se pode ver um pouco da Estrela Polar. Este lugar não é muito civilizado, mas um pouco selvagem. Aqui existem muitos animais estranhos, de diversas espécies e muitos macacos.
Partimos daqui e entramos no reino de Eli.

<178>
Do reino de Eli
Eli é um reino situado a poente de Comari quatrocentas milhas. Têm um rei e são idólatras; não pagam tributo a nenhuma outra pessoa. Este reino não possui porto mas tem um grande rio, com uma boa foz. Aqui nasce pimenta e gengibre e muitas especiarias. O rei é rico em bens, mas não tem soldados. Porém, o seu reino está tã bem definido naturalmente, que niguém pode invadi-lo com um exército. 
Se alguma embarcação aparece naquela foz e não consegue alcançar terra, assaltam-na, roubando todas as coisas e dizendo: “Deus mandou-te até aqui para que fosses nossa”; não acreditam fazer nada de mal. O mesmo acontece em todas as províncias da Índia. Se alguma embarcação aparece por acaso, é presa e tiram-lhe todas as coisas, salvo se conseguiu chegar a alguma terra previamente.
Sabei que as embarcações do Mangi e de outras regiões vêm a este reino no Verão, e carregam em três, quatro ou oito dias, partindo o mais depressa possível porque não existe um porto e ficar é perigoso: só há praias e areia. É verdade que os barcos do Mangi não temem o vento, porque têm boas âncoras de madeira que seguram bem os seus barcos.
Têm leões e muitos outros animais, caça e muitos pássaros.
Agora vamos partir daqui e vou falar-vos sobre Melibar.

<179>
Do reino de Melibar
Melibar é um reino enorme, que possui rei e língua própria. Não pagam tributo a ninguém e são idólatras. Deste reino é mais visível a Estrela Polar. De Melibar e de uma região confinante chamada Gozurat, saem cada ano mias de cem barcos de corsários, que roubam os barcos dos mercadores; levam com eles as mulheres, filhos e todo o Verão estão no mar, provocando grandes danos aos mercadores. São tantos barcos, que ocupam bem umas cem milhas e mais de mar, fazendo sinais de luzes, de maneira que nenhuma embarcação passa por aquele mar sem ser apanhada. Os mercadores, conhecedores dos seus métodos, vão sempre juntos e bem armados, de forma que não têm medo deles quando os encontram, mas alguns barcos são apanhados pelos corsários. Mas não fazem outro mal a não ser roubar e tirar coisas alheias e dizem: “Ide procurar outras coisas”.
Este reino tem muita pimenta, gengibre, canela, raízes purgativas, nozes-da-índia e muitas especiarias, e rendas das mais bonitas do mundo. Os mercadores trazem cobre, tecidos de seda, de ouro e prata, cravos-da-índia e alfazema porque não os possuem; aqui vêm os mercadores do Mangi e levam estas mercadorias para muitos lugares.
Para falar de todas as regiões do reino, seria muito longo; vou falar-vos do reino de Gozurat, das suas maneiras e costumes.

<180>
Do reino de Gozurat
Gozurat é um grande reino, tendo rei e língua própria. São idólatras, não pagando tributo a nenhum senhor do mundo. São os maiores corsários que navegam no mar e os mais astutos, visto que quando apanham algum mercador, dão-lhe a beber tamarinhos com água salgada para o fazerem evacuar e, depois, examinam as fezes, para ver se o mercador tinha comido pérolas ou outras coisas caras, para as encontrarem. Ora vede como isto é uma grande maldade: dizem que os mercadores engolem as pérolas quando são presos, de maneira a não serem encontradas pelos corsários.
Neste reino ha muita pimenta, gengibre e algodão, tendo árvores que dão algodão muito grande, sendo altas bem uns seis passos e tendo pelo menos uns vinte anos. Mas quando são muito velhas, não dão algodão bom para fiar, fazendo-se outras coisas; desde os doze anos até aos vinte, as árvores chamam-se velhas.
Aqui curtem-se muitos couros de bode, de boi, de rinoceronte e de outros animais, fazendo-se grande comércio e fornecendo-se muitas regiões.
Partamos daqui para falar de um reino chamado Tana.


<181>
Do reino de Tana
Tana é também um grande reino, sendo semelhante aos referidos acima, possuindo também o seu rei. Aqui não existem especiarias, havendo incenso, branco e acastanhado, fazendo dele muito comércio. Há muito algodão e tecidos de pano. Os mercadores trazem ouro e prata, cobre e outras coisas necessárias, levando do reino tudo o que pode dar proveitos.
Também saem daqui muitos corsários para o mar, provocando grandes danos aos mercadores, e isto sucede por vontade do seu senhor. O rei fez um pacto com eles, segundo o qual os corsários lhe devem dar todos os cavalos que roubam, sendo muitos os que se encontram, dado que na Índia se faz um grande comércio, de maneira que poucos barcos partem para a Índia sem levar cavalos; todas as outras coisas são dos corsários.



Posto isso, vamos continuar a usar o termo “descobrimentos” sem que, com isso, estejamos a escamotear todos os malefícios que esse empreendimento, com ambições imperiais, provocaram.

Na viagem deste ano vamos nós fazer as nossas descobertas por alguns dos sítios da Índia onde os portugueses, indo pelo mar, com ela se encontraram. 

Alguns sabores dessas descobertas e misturas estão no prato do “sarapatel” simbiose que sobrevive aqui em Portugal, no  Brasil em em Goa.

Uma cronologia dos acontecimentos de há 5 séculos para evidenciar como o tempo daquele tempo tanto mudou e, como a velocidade nos leva em tempo impensável para aqueles que, primeiro por terra e depois por mar desconhecido se aventuraram e descobriram a grandeza da sua ignorância. 
Grandes descoberta eles fizeram. 

Levamos também a nossa ignorância para podermos viver mais descobertas e, se calhar, constatar que, o mundo, nalguns aspectos, não mudou tanto assim.

Como estamos a fazer esta rememoração em Sines, terra de nascimento de Vasco da Gama, vamos enumerar as principais datas das 3 viagens que ele fez até à Índia:

  • 1ª viagem começa em Lisboa a 8 de Julho de1497 e termina a 29 de Agosto de 1499 quando regressa a Lisboa; Vasco da Gama chegou a Calecut a 20 de Maio de 1498 e começa a viagem de regresso a Portugal a 5 de outubro de 1498.

  • 2ª viagem começa a 10 de Fevereiro 1502 e Vasco da Gama só regressa a Portugal em 1504;


  • 3ª viagem Vasco da Gama chega a Goa em finais de Setembro de 1524 e fica até à sua morte a 25 de Dezembro de 1524, em Cochim.
  • O corpo é trazido para Portugal em 1538.

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