FEVEREIRO
O termo vem do latim februmm,
que significa "purificar" e tem origem num ritual de purificação
romano, chamado februa.
O segundo
livro de Ovídeo refere-se a fevereiro, em latim, Februarius mensis, que é o mês reservado às cerimônias
de purificação e expiação denominadas Februa.
O gato do vizinho gosta muito do meu quintal.
Talvez atraído pelo ambiente meio selvagem e desordenado em que as coisas
espontâneas que o vento vai espalhando convivem com as plantações que o acaso e
a ignorância minha vão ditando. Uma minúscula floresta, um compromisso entre a
ocupação humana e a ação das forças da natureza. Creio que, talvez por tudo
isso, ele o considera um local meio selvagem, apetecível e purificante.
O gato quando pressente que o observo pela janela
esconde-se atrás de um arbusto. Sei que me está a ver. Pelo meu olhar incisivo
e vago deve ter percebido que andava às voltas com questões da existência.
Antecipou-se a qualquer reação minha e desafiou-me:
- O que vocês humanos já aprenderam com as aves e
os insetos para poderem dominar a gravidade e criar asas e mecanismos que vos
poem a voar?
Fiquei surpresa com a sua algo invejosa intromissão
mas mantive-me expectante para ver o que se seguiria. Saiu sorrateiro da
penumbra, baixou a cabeça, olhou em frente e começou lentamente a dirigir-se
para o portão. Sabia que eu, da janela, o estava a seguir. Perto do local que
lhe assegurava maior segurança olhou para cima e voltou a questionar-me como se
pudesse agora radiografar o meu pensamento:
- E porque te ocupas com a questão da purificação?
Porque será que a espécie humana acolhe a ideia de se tornar pura. O que será
purificar-se? Só pode ser libertar-se de impurezas, e o que consideram
impurezas?
Fiquei a pensar nas dúvidas do gato. De facto,
estas são questões movediças e gelatinosas que vão mudando e tomando forma ao
sabor dos tempos e dos contextos. Em torno delas a espécie humana tem tentado
edificar o que será ou não impuro e o que pertence à categoria do mal. Essas
construções têm acrescentado impurezas que atormentam a humanidade e a cegam de
desejos de pureza.
A magnólia estava atenta na sua condição de viver
fixa e poder usufruir da terra simultaneamente através da atmosfera aérea e
subterrânea. Deixou que o vento me fizesse chegar e que a brisa do mar me
traduzisse a sua missiva: - Estou em crer que os vossos atos de purificação
devem ser anteriores à consumação das impurezas e, assim sendo, só podem ser
atos de pensamento e reflexão.
O gato que ainda estava em cima do muro olhou
satisfeito e grato para a magnólia que o tinha ajudado naquele jogo
purificante.
E eu, apoiada pelo gato e pela magnólia acho que a
ideia de pureza é capaz de ser uma coisa bastante impura.