segunda-feira, 19 de novembro de 2012

HAVELIS em Jaisalmer: Rendas de pedra


HAVELIS em Jaisalmer: Rendas de pedra

Bikaner, Jaissalmer e Jodhpur são três grandes reinos no deserto do Rajastão, que prosperaram devido à sua localização beneficiando das rotas das caravanas da Ásia Central e da China. Por essa razão também têm excelentes exemplares de havelis, embora com características arquitetónicas diferentes dos de Mandawa e Nawalgarh. As fachadas exibem a pedra trabalhada e a utilização de pinturas a fresco é praticamente só utilizada nos interiores.

Mas não são só as características dos havelis que as diferenciam pois, Bikaner, Jaissalmer e Jodhpur não aparentam o despovoamento e desertificação humana que vivenciámos em Mandawa e Nawalgarh.
 
Em Jaisalmer pudemos circular pelas ruelas estreitas definidas por edificações com fachadas profusamente rendilhadas. A arte de trabalhar a pedra – arenito – permite sistemas de proteção e arejamento das habitações.

Algo deste rendilhado faz lembrar elementos decorativos utilizados na europa pelo designado estilo gótico e, em Portugal, “manuelino”. Há memória emergem as imagens d as construções da época dos descobrimentos nomeadamente o Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém, em Lisboa.

 Mas voltemos à história de Jaisalmer. Fundada no séc. XII, tornou-se um florescente centro de comércio, situado na região de passagem da rota das caravanas entre o Afeganistão e a Ásia Central. No início, os seus governantes, fizeram fortuna com os saques das caravanas (joias, sedas, ópio) que atravessavam esta região. Apenas no séc. XVI a cidade se tornou segura e os seus soberanos e mercadores transformaram a árida paisagem (entreposto do deserto de Thar) com a construção de palácios e havelis que se tornaram, na actualidade, exemplares importantes da arquitectura em pedra do Rajastão.

 A história dos sítios e dos povos parece uma contínua repetição onde o motivo principal é a acumulação de riqueza. Depois, mais tarde ou mais cedo, vem o tempo dos despojos e ficam os testemunhos que assumem valor de “património”. Depois nasce outra indústria/comércio e vêm os turistas e os viajantes que consomem os despojos.

A diferença entre turistas e viajantes, não sei dizer qual é, mas sinto que estará no motivo que impulsiona cada um a viajar. Esse impulso virá de necessidades que cada um procura e isso, em grande parte, molda o modo como tudo se vê e sente. Desta vez, devido ao ritmo da viagem, faltou tempo para simplesmente estar, vaguear e até podermos perder-nos. Não perdemos tempo mas vivemos muito pouco os sítios.

 Não sei porquê mas há uma sensação agradável quando chegamos a um local já visto por milhares de pessoas e por nós conhecido através de mil imagens. Será por sentirmos que é um pedaço de terra muito partilhado?... e assim estarmos mais dentro da humanidade? Talvez viajar seja uma forma “laica” de peregrinação pela(s) natureza(s).

 Mas voltemos a Jaisalmar cujo Forte se ergue na paisagem do deserto de Thar e a sua construção remonta a 1156, tendo sido posteriormente ampliado. Está implantado no monte de Tricuta donde é possível usufruir de um largo horizonte. As populações da Idade Média viviam no seu interior. A cidade foi crescendo e transbordando para fora das muralhas.

Hoje em dia existem algumas questões/conflitos sobre o modo de fazer rentabilizar o turismo. A ocupação tradicional garante a manutenção do ambiente mais “etnográfico” da cidade entre muralhas mas parece que esta perspectiva colide com interesses de modernização da urbe. Vamos ver como resolvem este assunto.

Por entre muralhas coexistem importantes templos Jainistas (construídos por endinheirados comerciantes nos séc. XV e XVI) e a praça que enquadra o palácio real (Dussehra Chowk) e Moti Mahal (palácio do séc. XVII).
 
Os havelis que se destacam em Jaisalmer são: Salim Singh Ki, Patwon Ki e Nathmail.
Salim Singh Ki haveli foi construído sobre ruinas de um antigo haveli do final do séc. XVII. O actual edifício foi construído em 1815 e ocupado pela família Menezes de Jaisalmer. Eram a família mais influente do seu tempo.
Patwon Ki haveli foi construído entre os anos de 1805 e 1855 por um banqueiro rico, comerciante de seda, bordados e ópio que possuía uma cadeia de entrepostos que ia do Afeganistão à China. O edifício de seis andares, 66 varandas e janelas rendilhadas, possuía cinco anexos, um para cada filho.
Nathmail haveli é um edifício de cinco andares, construído em 1855. As duas fachadas do edifício aparentemente iguais diferem apenas nos pormenores. Isto deve-se ao facto de serem dois irmãos e cada um ocupar metade da casa. Para além dos motivos tradicionais, de formas geométricas, florais e zoomórficas, são acrescentados elementos modernos de influência europeia, tais como: bicicletas, máquinas, etc.

 As fachadas dos havelis e palácios decoram as ruas estreitas com enormes painéis de rendas de pedra.

IRS&LRS



















sábado, 17 de novembro de 2012

Pinturas a fresco HAVELIS de Mandawa e Nawalgarh


Havelis: Despojos de um tempo de grande actividade comercial e prosperidade económica
As localidades de Shekhawati (Mandawa e Nawalgarh) no Rajasthan, estão repletas de mansões fascinantes (havelis) que proporcionam uma experiência de "galeria de arte aberta" desta região. As localidades de Shekhwati são ricas em exemplares de casas ancestrais de algumas das maiores famílias de negociantes indianas. Estas antigas havelis, cujas paredes ostentam exuberantes frescos, foram construídas entre o fim do século XVII e o início do século XX por mercadores. O contacto com os ingleses influenciou o seu estilo de vida, e isso reflete-se nas suas casas. Tornam-se mais grandiosas e opulentas, espelhando o novo estatuto social adquirido. O estilo e os temas dos frescos são um testemunho vivo da “urbanização” de um género tradicional. Os artistas locais seguiram o realismo unidimensional da pintura tradicional rajpute, mas introduziram ao lado das divindades e heróis marciais as imagens de um mundo em mudança. Celebrando os temas da altura, os frescos exibem senhoras inglesas, cavalheiros de chapéu de coco, soldados, comboios, automóveis, aviões, gramofones e telefones, que simbolizam a sociedade industrial emergente de finais do século XIX.
Ao percorrermos os arruamentos que ladeiam as paredes altas que fecham as grandes construções (havelis) vivemos uma experiência de um mundo abandonado. Ruas e casas vazias, algumas crianças a vender postais e calendários, algumas vacas a percorrer um estranho silêncio, tudo porque as rotas comerciais (ópio, pedras preciosas, especiarias, tecidos…) tomaram outros caminhos. Negociei com os rapazes que compraria alguma coisa no final da visita pensando que me poderia escapar à promessa. Enganei-me. Quando regressámos ao mini autocarro lá estavam eles, com ar amistoso mas afirmativo, a lembrar-me a promessa. Por isso aqui comprei alguns postais e um calendário para o futuro próximo - 2013 - que curiosamente só tem imagens do Tal Mahal (uma por trimestre) das várias estações do ano.

Há um século, naqueles mesmos espaços, tudo seria tão diferente. Aqui parece que parte da vida se foi embora e ficaram só os que não podem sair daqui. Compreende-se que à chegada de forasteiros (turistas ou viajantes) estes sejam alvo de toda a atenção para que comprem tudo o que têm para vender.
Durante a visita a estes locais (ruas e casas desabitadas) várias vezes que veio à mente a exuberância que já passou por aqui e aquela que pude presenciar na visita ao Dubai proporcionada pela escala de cinco horas de caminho até à Índia. Também os relatos de Marco Polo (que me acompanham nesta viagem) e as Décadas de João de Barros (lidas à mais de 10 anos) se cruzam com esta experiência. Relatos afastados por muitos séculos que nos permitem olhar e ver com os seus ecos o que existe hoje. Os tempos das viagens são tremendamente diferentes, hoje deslocamo-nos num tempo que não dá tempo para viver os sítios e entrar no universo das pessoas que os habitam. Podemos estar em mais sítios e em menos tempo mas não conseguimos passar muito da superfície. É melhor do que nada mas seria mais proveitoso poder estar e cruzar mundos. Talvez por isso as viagens de hoje precisem não só de serem preparadas mas também de ser digeridas depois de terminadas. A pós-viagem, o que fica mais esclarecido e o que fica suspenso são os ganhos e isso é ter um pouco mais de mundo.

Concluo que viajar sem ler e ler sem viajar são modos de viver abandonando o mundo que fica para além de nós. Ter mais mundo será aumentarmos a capacidade de relativizarmos os mundos de cada um e podermos ser mais capazes de lidar com as mudanças.

Tinha acabado de ler “Uma Viagem à Índia” de Gonçalo M. Tavares e, dentro do livro, guardei uma folha A4 que trouxe da exposição do Carlos Nogueira, “O lugar das coisas”, no Centro de Arte Moderna. Agora ao arrumá-lo na estante reencontrei a folha e nela o verso de Camões que lá está inscrito voltou a fazer ainda mais sentido: Todo o mundo é composto de mudança.
Alguns havelis estão à venda, informou-nos o guia, porque o estado não dispõe de verbas para apoiar a sua recuperação e/ou os seus donos fazem vida nas grandes cidades e, são raros os que investem na conservação do espólio herdado. Alguns, poucos, já foram transformados em hotéis. Outros, através de algum mobiliário e objectos, tentam reconstituir as funções e os ambientes das diversas divisões onde constam exemplares oriundos de países europeus. Os grandes comerciantes foram-se embora e os sítios ficaram abandonados. O espetáculo terminou e agora a atração são os cenários.

Deambulámos pelos locais sentindo que o espaço é demasiado para tão pouca população, coisa estranha na Índia.
A palavra haveli é de origem persa e significa 'cercado' ou `um lugar fechado.” O conceito destas construções aproxima-se da designação de "mansão", embora esta expressão não seja suficiente para esclarecer cabalmente o seu universo. Embora “mansão” sugira uma residência espaçosa que conota haveli, ele não consegue captar a essência de um modo de vida que era mais do que apenas uma forma de arquitetura. Isolado do mundo exterior, um haveli define o seu próprio ritmo de vida. A organização destes espaços expressa a simbiose entre a organização social, o hinduísmo e os contactos com a cultura europeia, ocorrida no universo das grandes famílias de comerciantes indianos. Esta experiência proporcionou a leitura desses contactos entre culturas diferentes e a percepção da ascensão e queda de rotas comerciais.

Nesta zona a característica dos havelis é que são profusamente decorados com pinturas a fresco. Mas em Bikaner, Jaissalmer e Jodhpur, três grandes reinos do deserto do Rajastão, que prosperaram devido à sua localização beneficiaram das rotas das caravanas da Ásia Central e da China, têm excelentes exemplares de havelis, embora com características arquitetónicas diferentes. Destacaremos, noutro artigo, em Jaisalmer: Salim Singh Ki haveli, Patwon Ki haveli e Nathmail haveli.

Gostava que alguns dos meus descendentes, daqui a uns anos, pudessem voltar aqui e confrontar este depoimento com o caminho destes locais e espaços, porque Todo o mundo é composto de mudança e, ter mais mundo é conhecê-lo. E eu gostava que eles tivessem muito mundo.
IRS&LRS