sábado, 17 de novembro de 2012

Pinturas a fresco HAVELIS de Mandawa e Nawalgarh


Havelis: Despojos de um tempo de grande actividade comercial e prosperidade económica
As localidades de Shekhawati (Mandawa e Nawalgarh) no Rajasthan, estão repletas de mansões fascinantes (havelis) que proporcionam uma experiência de "galeria de arte aberta" desta região. As localidades de Shekhwati são ricas em exemplares de casas ancestrais de algumas das maiores famílias de negociantes indianas. Estas antigas havelis, cujas paredes ostentam exuberantes frescos, foram construídas entre o fim do século XVII e o início do século XX por mercadores. O contacto com os ingleses influenciou o seu estilo de vida, e isso reflete-se nas suas casas. Tornam-se mais grandiosas e opulentas, espelhando o novo estatuto social adquirido. O estilo e os temas dos frescos são um testemunho vivo da “urbanização” de um género tradicional. Os artistas locais seguiram o realismo unidimensional da pintura tradicional rajpute, mas introduziram ao lado das divindades e heróis marciais as imagens de um mundo em mudança. Celebrando os temas da altura, os frescos exibem senhoras inglesas, cavalheiros de chapéu de coco, soldados, comboios, automóveis, aviões, gramofones e telefones, que simbolizam a sociedade industrial emergente de finais do século XIX.
Ao percorrermos os arruamentos que ladeiam as paredes altas que fecham as grandes construções (havelis) vivemos uma experiência de um mundo abandonado. Ruas e casas vazias, algumas crianças a vender postais e calendários, algumas vacas a percorrer um estranho silêncio, tudo porque as rotas comerciais (ópio, pedras preciosas, especiarias, tecidos…) tomaram outros caminhos. Negociei com os rapazes que compraria alguma coisa no final da visita pensando que me poderia escapar à promessa. Enganei-me. Quando regressámos ao mini autocarro lá estavam eles, com ar amistoso mas afirmativo, a lembrar-me a promessa. Por isso aqui comprei alguns postais e um calendário para o futuro próximo - 2013 - que curiosamente só tem imagens do Tal Mahal (uma por trimestre) das várias estações do ano.

Há um século, naqueles mesmos espaços, tudo seria tão diferente. Aqui parece que parte da vida se foi embora e ficaram só os que não podem sair daqui. Compreende-se que à chegada de forasteiros (turistas ou viajantes) estes sejam alvo de toda a atenção para que comprem tudo o que têm para vender.
Durante a visita a estes locais (ruas e casas desabitadas) várias vezes que veio à mente a exuberância que já passou por aqui e aquela que pude presenciar na visita ao Dubai proporcionada pela escala de cinco horas de caminho até à Índia. Também os relatos de Marco Polo (que me acompanham nesta viagem) e as Décadas de João de Barros (lidas à mais de 10 anos) se cruzam com esta experiência. Relatos afastados por muitos séculos que nos permitem olhar e ver com os seus ecos o que existe hoje. Os tempos das viagens são tremendamente diferentes, hoje deslocamo-nos num tempo que não dá tempo para viver os sítios e entrar no universo das pessoas que os habitam. Podemos estar em mais sítios e em menos tempo mas não conseguimos passar muito da superfície. É melhor do que nada mas seria mais proveitoso poder estar e cruzar mundos. Talvez por isso as viagens de hoje precisem não só de serem preparadas mas também de ser digeridas depois de terminadas. A pós-viagem, o que fica mais esclarecido e o que fica suspenso são os ganhos e isso é ter um pouco mais de mundo.

Concluo que viajar sem ler e ler sem viajar são modos de viver abandonando o mundo que fica para além de nós. Ter mais mundo será aumentarmos a capacidade de relativizarmos os mundos de cada um e podermos ser mais capazes de lidar com as mudanças.

Tinha acabado de ler “Uma Viagem à Índia” de Gonçalo M. Tavares e, dentro do livro, guardei uma folha A4 que trouxe da exposição do Carlos Nogueira, “O lugar das coisas”, no Centro de Arte Moderna. Agora ao arrumá-lo na estante reencontrei a folha e nela o verso de Camões que lá está inscrito voltou a fazer ainda mais sentido: Todo o mundo é composto de mudança.
Alguns havelis estão à venda, informou-nos o guia, porque o estado não dispõe de verbas para apoiar a sua recuperação e/ou os seus donos fazem vida nas grandes cidades e, são raros os que investem na conservação do espólio herdado. Alguns, poucos, já foram transformados em hotéis. Outros, através de algum mobiliário e objectos, tentam reconstituir as funções e os ambientes das diversas divisões onde constam exemplares oriundos de países europeus. Os grandes comerciantes foram-se embora e os sítios ficaram abandonados. O espetáculo terminou e agora a atração são os cenários.

Deambulámos pelos locais sentindo que o espaço é demasiado para tão pouca população, coisa estranha na Índia.
A palavra haveli é de origem persa e significa 'cercado' ou `um lugar fechado.” O conceito destas construções aproxima-se da designação de "mansão", embora esta expressão não seja suficiente para esclarecer cabalmente o seu universo. Embora “mansão” sugira uma residência espaçosa que conota haveli, ele não consegue captar a essência de um modo de vida que era mais do que apenas uma forma de arquitetura. Isolado do mundo exterior, um haveli define o seu próprio ritmo de vida. A organização destes espaços expressa a simbiose entre a organização social, o hinduísmo e os contactos com a cultura europeia, ocorrida no universo das grandes famílias de comerciantes indianos. Esta experiência proporcionou a leitura desses contactos entre culturas diferentes e a percepção da ascensão e queda de rotas comerciais.

Nesta zona a característica dos havelis é que são profusamente decorados com pinturas a fresco. Mas em Bikaner, Jaissalmer e Jodhpur, três grandes reinos do deserto do Rajastão, que prosperaram devido à sua localização beneficiaram das rotas das caravanas da Ásia Central e da China, têm excelentes exemplares de havelis, embora com características arquitetónicas diferentes. Destacaremos, noutro artigo, em Jaisalmer: Salim Singh Ki haveli, Patwon Ki haveli e Nathmail haveli.

Gostava que alguns dos meus descendentes, daqui a uns anos, pudessem voltar aqui e confrontar este depoimento com o caminho destes locais e espaços, porque Todo o mundo é composto de mudança e, ter mais mundo é conhecê-lo. E eu gostava que eles tivessem muito mundo.
IRS&LRS
 
 













































 

 
 
 

 

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