terça-feira, 8 de outubro de 2013

Viagem em 2013 - Relato 1 - SINES


Viagem em 2013 - Tempos de crise - Relato 1
Viagem no pequeno rectângulo do extremo ocidental da Península Ibérica. Fica numa das muitas pontas do mundo, este sítio, é um beco ladeado por oceanos.
Viajar é sempre sair do nosso beco e tentar chegar a horizontes onde o chão fique mais longe das trevas. Viajar é uma forma de nos encontrarmos fingindo que fugimos de nós mesmos. Tentar sair permite ver de outro ângulo e, com sorte, ver de fora.
Viajar é ir ao encontro da imensidão do mundo. Viajar é situar nessa imensidão o infinito que está dentro de nós. Quanto mais conseguimos estar atentos aos mundos dos outros maior se torna a imensidão do mundo em nós e o infinito que nos habita fica ainda maior.

Mesmo quando atravessamos oceanos e ficamos a muitas milhas do nosso sítio nós somos sempre o nosso beco, a nossa rua o nosso lugar minúsculo universo no mundo imenso. Somos uma origem e essa está sempre no nosso destino.
Por isso os depoimentos deste ano são sobre a viagem ao lugar das origens local do coração da liberdade. Ficar atento é ser. E isso é mais possível quando nada nos parece desconhecido e podemos apalpar a memória. A surpresa é que afinal há muito para descobrir quando decidimos viajar sem sair daqui.
Sem a tentação de aprisionar a experiência através da máquina fotográfica pode viver-se a libertação pela magia da palavra.

Em Sines
Pegar no abandono de uma folha de magnólia seca, gigante lágrima castanha doirada lustrosa, fechar os olhos e deixar que a ausência de luz permita sentir só os gritos de a esmigalhar entre os dedos acústicos. Estilhaços de um modo de conhecer e amar o som que entra pela pele, rebenta nos ouvidos e nos revela a outra face do precioso silêncio que sempre nos escapa. Ouvir o silêncio na visibilidade da escuridão e na cegueira da luz. Caminhar e sentir os pés imaginarem as folhagens ásperas ficarem para trás estilhaçadas sobre o seu peso. Sentir os cheiros estalarem e escorrerem no ar que entra pelas narinas.

Ouvir no silêncio da noite, os ecos das ondas a rebentar no areal da Costa do Norte como
os cânticos dos pinhais que ondulam nas encostas dos dias quentes da nossa infância. Ardem alguns, agora negros de silêncio que me chegam em imagens entre intervalos publicitários e notícias sobre armas químicas e máscaras de primaveras num Oriente médio.
Misturas de infância e maturidade.
Porque, para ouvir tudo, é preciso silêncio que permite observar e pensar o tempo.
Isabel Silva

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