Aqui fica um pedaço para vos aguçar o apetite.
CANTO V
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Claro que estando tão alto num avião,
felizmente fechado por todos os lados,não é fácil sentir o cheiro da árvore forte
ou da terra depois de chover,
mas ver a natureza na matéria normal em que é feita
e não em papel organizado pelos homens,
é já cheirá-la um pouco, mesmo que dentro de um avião,
a milhares de metros de altitude.
No avião, os teus olhos pressentem
que a natureza tem aroma, eis uma observação possível.
9
E nada é intocável quando estamossuficientemente longe (que paradoxo!).
De avião parece-nos ser possível tocar num país inteiro
como se toca numa laranja. E tal sensação
é magnífica e alimenta os dedos
durante meses. Ter cadeiras efémeras
pousadas a metade do céu é uma invenção
de loucos, e Bloom, agarrando-se à cadeira,
pensa e repete várias vezes: estou sentado
no meio do céu.
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Viajar não faz bem apenas aos homenstambém é bom para os próprios percursos
ter homens que os percorram.
Um caminho é como uma casa:
é necessário abrir a janela, de vez em quanto,
para que o ar circule.
Precisa de ser arejado, o caminho, e os homens
que o percorrem são os que executam este ofício.
São os homens e as mercadorias
que conservam a estrada.
11
Até o ar livre precisa de mudar de quandoem quando de ar. A circulação é um bem
inestimável para qualquer forma da natureza.
(…)
Uma Viagem à Índia - Melancolia contemporânea (um itinerário)
Prefácio de Eduardo Lourenço
4ª edição
Editorial Caminho 2010
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